Sunday, October 23, 2005

Helena por Pedro

Recebo cartas de raparigas de doze anos. Querem ser cantoras e mandam beijinhos. Já não respondo. Teria de ser cruel. De resto ninguém me escreve. Ninguém me convida que me apeteça aceitar. Saio sozinha, encontro alguns amigos nos locais do costume, e volto sozinha. Dói-me muito ver a cama vazia. Parece-me injusto. Cada vez é mais difícil. As coisas do quarto, a cama, as duas cadeiras, as cortinas caídas fazem-me sentir como se eu estivesse ali a mais, como se fosse uma intrusa. Às vezes dormem comigo. Mas é só uma infidelidade que cometem para provarem a si próprios que afinal ainda estão muito presos às namoradas. Quando pedem desculpa ainda são mais miseráveis. E eu continuo a cantar cantigas que só imploram, rogam amor e ninguém me ouve. Mais valia não terem palavras, só suspiros e gritos e choros. Talvez alguém ouvisse. Talvez alguém entendesse. É como se estivesse a rezar diante de uma parede de pedra e tivesse por única resposta o eco da minha voz.
Estou cada vez mais sozinha. Depois de cantar ninguém me agarra e diz: “Quero-te como não é possível querer mais alguém. Leva-me contigo. Ou então eu levo-te comigo.” Não. Pedem autógrafos, para as namoradas, ou para os filhos, ou para mostrarem aos amigos. Tocam-me mas ninguém me agarra. Querem só tocar. Batem nos vidros da carrinha, riem-se e eu rio-me. Estou muito cansada. O meu coração está muito pesado. Passaram tantos por mim. Porque não ficou nenhum? Para que passasse um teriam que passar todos os outros? Teria mesmo que ser assim?
P.P.

15 comments:

Peliteiro said...

Também me parece injusto. Muito injusto.

Anonymous said...

... sacerdotisa ...

Assumida Mente said...

Injusto sobretudo para alguém que, só com a voz, já conseguiu tocar tantos e tantas!

Anonymous said...

Isto é de agora ou foi escrito há anos atrás? Um texto impressionante!! Dá-me vontade de te agarrar e levar-te para qualquer lado...Toma beijo muito amigo! :) :(

Helena said...

foi escrito há anos atrás, sim

agora já não recebo cartas de raparigas de doze anos



lol

CARMO said...

Justo ou injusto?! Não nos vamos deixar abater por aquilo que nos parece injusto. Há sempre uma solução; há sempre uma forma de mudar as coisas e de mudar a forma como sentimos essas coisas. Quando não a encontramos, recorremos aos outros... é para isso que vivemos em sociedade. À tua disposição com um beijo enorme!

Anonymous said...

Talvez eu fale de barriga cheia mas, não achas que estás a dar demasiada importancia aos outros? E tu? Onde está o teu valor? Mostra o teu valor, vais ver que te tornas enorme aos olhos dos outros! Bem, comigo resultou, a minha namorada odeia quando me auto-critico, detesta mesmo e, se eu pensar bem também não gosto quando ela o faz e está a ser injusta... Eu já não tenho 12 anos, nunca soube cantar, tu sim, tu cantavas e encantavas, lembras-te? Então? Onde estás tu que eu conheci há uns anos atrás? Tu que tanto me (en)cantas-te? Volta! A solidão é só um estado de espirito, aliás "eu nunca estou sózinha, estou sempre comigo mesma", volta!

Anonymous said...

A propósito da última frase "Teria mesmo que ser assim?" há um livro interessantíssimo - fascinante mesmo - do Richard Bach que é do princípio ao fim uma longa reflexão sobre as nossas vidas alternativas, as vidas que podíamos ter tido se em dado momento tivéssemos tomado uma pequenina decisão diferente.
(não tenho a certeza se é a "Ponte para a eternidade" se é o "Um", pois emprestei-o e não mo devolveram ...)

F.S. (anônimo do dia 31/10)

Black Angel said...

o Pedro e as mulheres...tu és linda!

Helena said...

sim, o pedro e as mulheres! ;D


bem, para quem se mostrou inquieto ou preocupado com este texto, relembro apenas que ele foi escrito pelo pedro paixão, meu querido amigo há vinte anos, a partir de uma queixa que lhe fiz acerca da minha solidão entre tantos amores desencontrados que povoaram a minha vida naqueles anos
finais dos 80 ou princípios dos 90


o texto é quase trágico, sim, mas ele reflecte apenas o lado nocturno da vida de mulheres que, tendo sido adoradas em vida, foram quase sempre amadas pelos motivos errados...

;)

e chove!!! :)))))

Drum'n'Bass said...

Bom, eu sabia que este texto tinha sido ja escrito ha alguns anitos, porque deduzi que tinha sido na altura de outro (Helena, por quem os gregos se bateram - escrito pelo Pedro também) e que ja foi publicado aqui no blog e que reflectia também um momento da tua vida na transição da decada de 80 para a a decada de 90. Terá sido assim?

Helena said...

sim, tech, e o link para essa gaveta está aqui
pedro e helena

;)

olha stillforty, e se eu te disser que foi em casa do fernando que falei pela primeira vez na vida com o pedro, quando liguei a um amigo recente e quem atendeu foi "o próprio"? ;D

ainda não escrevi a minha versão deste primeiro encontro, que está mais ou menos descrito (à paixão) no "a maldade do mundo", ali na gaveta de cima :)

beijos ao fernando! ele está bom?

Anonymous said...

... não é que seja assim tão importante mas já agora queria dizer que enviei o comentário de 31/10 das 23.38 h e deixei ficar anónimo por ser só uma palavra ("sacerdotisa") e pensar que até ficava melhor sem assinar.
Dois dias depois, 2/11 às 00.56 h alguém, também anónimo enviou um comentário do qual não discordo nada e que até achei engraçado mas pode parecer que fui eu que escrevi por também ser anónimo e estar logo a seguir ...

Achei o comentário bastante giro e original mas também não quero assumir o que não escrevi (se escrevesse talvez só usasse uma ou outra palavra diferente ...) e foi por isso que no comentário de 2/11 das 23.37 h assinei F.S. - folha solta - anónimo do dia 31/10.

(... e o comentário do anónimo das 00.56 até tá tão espontâneo e natural que nem sei porque é que não assinou ...)

Anonymous said...

Há tantos dias em que me sinto assim também...
Damos tudo. A vida a alma, e não há quem páre para nos agarrar.
Mary

Helena said...

um abraço, querida mary*:)*