DN- Viajas muito?
LA- Já viajei muito, por todo o mundo. De Macau ao Brasil, Canadá, Venezuela e México, Angola, Cabo Verde, Bósnia, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, França, Inglaterra, Holanda, cinco ilhas dos Açores, Madeira e Porto Santo.
Hoje em dia saio pouco de Portugal, e só por causa da música. Este país tem inesgotáveis tesouros escondidos. Para quê ir mais longe?
DN-Qual foi a tua primeira grande viagem?
LA- A Viena de Áustria, quando tinha sete anos. O meu pai, depois de 13 anos a jogar como avançado centro no Benfica, fez a época de 63/64 ao serviço do Áustria Viena. A família acompanhou-o nesses nove meses. Fiz a segunda classe numa escola em Viena. Entrei sem saber uma palavra de alemão, mas ao fim de poucas semanas já entendia o essencial para poder comunicar com coleguinhas e professoras, e gostei de lá andar. Guardo ainda os meus cadernos desse ano em Viena. Os meus irmãos ainda eram pequenitos, ficavam em casa. Mas guardamos muitas recordações desse tempo: os eléctricos vermelhos de três carruagens, os gatos de trela a passearem as donas na relva à beira do Danúbio, as marcas da guerra presentes ainda em muitos edifícios, os dias de neve e os pombos, mas sobretudo a Missa cantada pelos Pequenos Cantores, que marcou a minha memória para sempre.
DN- Viajas muito em Portugal? Quais os lugares de eleição?
LA- Viajei muito em Portugal, conheço o país real por causa da música. Acompanhámos a transformação das estradas nacionais em IPs e Auto-Estradas, mas não me esqueci dos caminhos do trânsito local... os caminhos de Martim Longo, por exemplo, os corta matos de Ponte de Sôr, as pedras de Tolosa, os vinhedos e os cedros de S.Torcato ou as codornizes de Proença a Velha, passeando aos pares ao fim do dia, de mãos atrás das costas...
Fazem-se muitos amigos durante os anos em que vamos voltando aos sítios e vamos reafirmando amizades... Quando me decido a deixar a casa e os gatos para uns breves dias de oxigénio e serra, longe da minha cidade (eu nasci aqui em Lisboa e não tenho outra terra fora daqui), vou à terra dos amigos. E é bom. Não há hotel ou turismo de habitação que se compare à casa dos amigos. Nem país que me apeteça mais do que o meu.
DN- Qual a cidade mais bonita que conheceste até hoje e porquê?
LA- Lisboa. Gosto de a despir de 500 anos de vida e ficar a vê-la (eu suspensa no ar como uma figura de Chagall, de preferência, a noiva), assim nua com os pés dentro de água. Só colinas de muitos verdes e o rio azul profundo, deslizando silencioso. E o céu já cor-de-rosa e laranja do fim do dia, com o sol a cair muito devagar atrás de Cascais. Lisboa é a cidade mais bela que há no mundo, não há nada a fazer.
DN- Já alguma vez foste reconhecida na rua fora de Portugal? Se a resposta foi sim, conta-nos a experiência...
Onde encontraste as pessoas mais simpáticas e acolhedoras?
LA- Em todo o mundo encontrei pessoas simpáticas e acolhedoras. Isto porque em cada cidade de cada país há sempre pelo menos um português que me diz: “Bom dia! Então está por cá? Sou um grande fã seu, sabia?”.
DN- Fora de Portugal, onde gostarias de dar um concerto?
LA- No Caveau de la Huchette, em Paris. O meu Tributo à Billie Holiday, com os meus queridos músicos, no Caveau de la Huchette. Isso seria um espanto!
DN- Quando viajas, preferes ir à deriva ou ir com tudo marcado?
LA- Em férias com a minha filha fomos várias vezes à bolina. Foi muito emocionante.
Quando saímos em concertos, é claro que não! Trabalho é trabalho, e mesmo com todo o cuidado os percalços acontecem...
DN- Preferes o campo, a praia ou as cidades? Hotéis ou turismos rurais?
LA- Prefiro o campo que não fique muito longe do mar. O campo de vastos horizontes e muito céu. E gosto muito de acampar, desde miúda. O campismo dá-nos a liberdade de mudar de sítio quando nos apetece.
DN- Já marcaste alguma viagem através da Net? Se a resposta for sim: que tal a experiência? Se for não: porquê?
LA- Antes de viajar consulto a net para preparar roteiros e acertar pormenores, consultar os mapas, relembrar a história do lugar e os sítios a ver, essas coisas. Quando decido viajar agarro nas coisas essenciais e saio no dia seguinte, logo de manhã. As minhas viagens são rápidas e sempre dentro de Portugal. Com uma única excepção, que foi a minha ida a Ávila, no inverno de 91.
DN- Conta-nos uma história especial que te tenha acontecido em viagem.
LA- Nesta viagem de três dias que fiz até Ávila pernoitei na Pousada da Rainha Santa Isabel, em Estremoz, na ida e no regresso. Na primeira noite fazia um temporal tremendo, com muito vento e muita chuva. Vim espreitar a tempestade à janela do quarto, que dava para a parte interior do castelo(para quem não sabe, esta pousada foi construída no castelo). O vento era de tal maneira forte que o pequeno lago que existe no centro do claustro era um verdadeiro mar encapelado em miniatura, com os seus dois peixes de pedra como únicas testemunhas além de mim.
entrevista DN Destinos, Dez 2003
2 comments:
Lisboa é linda sem contesto, tal como muitas outras cidades Portuguesas :)
Como tu o dizes e muito bem, temos muita riqueza interior, e pouco a pouco os outros vão-se apercebendo disso.
É o único sítio de que tenho sempre saudades. E onde gosto sempre de chegar. Lisboa. E no entanto, não quero viver outra vez. Paradoxo? Nem por isso. :)
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